Da terra impenetrável, foram criadas verdadeiras maravilhas, verdadeiros milagres..
Nunca a minha força de vontade, por muita que fosse lá chegaria...
Estava mais só que um ermita... Mas um ermita está em paz..
Eu não estava em paz. Eu estava numa zona escura de mim, que nem conseguia lembrar-me de comer...
Se amor existe.. Isto é amor.. O esforço de outros para que eu me aguente.
Para que eu sorria... Mesmo que me pese olhar para todo o trabalho que devia ter sido feito por mim.
Lembro-me da primeira pedra que arranquei. Tive que tirar paletes de terra para remover uma pedra pesada como eu me tornaria dai a nada...
O orgulho foi enorme... Consegui...
Lembro-me do mato que cortei... Dos aranhões... Do cansaço... Das fogueiras imensas para queimar lixo...
Lembro-me de pensar: "nem daqui a décadas consigo chegar a algum lado.."
Desisti... Parei... Ordenei-me meses a fio por vários despertadores e lembretes que me lembravam o que fazer e a que horas.
Já estava sozinha há tantos anos na companhia de alguém que nunca me viu...
O mato voltou... Todo o meu esforço se foi... Apenas um girassol sobreviveu...
Por isso enquanto eu for gente.. Estarei rodeada de girassóis... Por um sobreviveu... Uma pequena parte de mim, sobreviveu-me e deu-me alento para continuar...
Não é um continuar como eu esperei. Mas a vida é assim mesmo.
Ainda tenho o melhor de mim. Os meus valores. As minhas crenças.
Já não as vivo... Mas ensino-as...
Ser honesto.
Trabalhar para viver e não viver para trabalhar.
Nunca depender de ninguém.
Nunca fazer aos outros o que não queremos para nos.
Nunca julgar.
Ter sempre tempo para ser um
Ombro amigo.
Lutar pelo que se quer. Sempre. Viver de amor.
Apaixonar-se várias vezes, pela mesma pessoa...
Não, já não vivo tudo disto, não posso... Mas acredito nisto e quem me conhece, sabe que ensino isto...
A humanidade seria um lugar melhor se nos respeitássemos uns aos outros.
Fui programada para respeitar. Pisei o risco. E, agora tenho saudades dos pisares de riscos quando somos adolescentes... Agora não há rede de segurança por baixo...
Se cair, caio em cimento duro... E não tenho como sobreviver a tal...
Não tenho o direito de pensar em mim. Terei um dia, se fizer tudo bem agora... E um dia, terei tempo para mim, e terei saudades do tudo o que me prende neste momento...
Mas aí... Já tudo estará bem. Já todos serão adultos... E se aprenderem o que lhes ensinei, adultos felizes com uma doce, saudável e maravilhosa vida pacata....
É tão bom ter esse tipo de vida. Trabalhar... Chegar a casa.. Descansar... Viver...
O meu velhinho dizia: "escreva, Armanda, escreva sempre, nem que seja num guarda napo de restaurante e depois guarde tudo numa gaveta..".
E eu já escrevia... Há tantos anos.. Páginas e páginas por dia... Que destruí... Que pena a minha... Que me dera ler o que eu escrevia naquela altura..
Tenho tanta pena que se calhar todos os seus pequenos guardanapos foram para o lixo... Eu guardo todos...
Caixas de cartas dos meus pais... Algumas de amor... Algumas discussões... Mas nada como o que fica escrito...
O meu velhinho não está cá..
Não está aqui para me passar a mão na cabeça e dizer-me que tudo vai correr bem...
E eu grito a alto e a bom som que tudo vai correr bem... Mas na realidade, morro de medo... Porque eu não sei se estou a altura ... E por quanto tempo me aguentarei...
Se ele estivesse aqui, ele ia relembrar-me quem sou.
Ele estaria tão orgulhoso de saber o que fiz...
Ele daria-me a certeza que tudo vai mesmo correr bem, porque segundo ele, a minha natureza é essa, é fazer com que todos fiquem bem...
Se não sei o que são saudades? Claro que sei....
Nunca nenhum amigo me amou, me respeitou e me conheceu, com o paternalismo e dignidade deste homem...
Faz-me tanta falta a sua sabedoria neste momento... E mesmo assim... Ainda o oiço...
Até adivinho o que me diria...
Aqui a morte não existe. A saudade sim... E espero sinceramente que a vida após a morte exista. E que ele me receba de braços abertos e me diga "eu sabia que eras capaz.".
Amanhã faço-lhe uma visita... sem falta.